Olá pessoas! 
Essa semana foi publicada essa carta na Revista Época, uma amiga me mandou, pois achou a cara do Rendez Vous e a minha, por isso vim compartilhá-la aqui com vocês!!!
“Fui criada pra casar. Virgem. Formada. Encaminhada. Fui criada 
pra agradar. O pai. A mãe. O professor. O marido. Na infância, a escola e
 a música me salvaram de uma vida mais monótona. A primeira me ensinou a
 pensar de uma maneira especial. A segunda me mostrou que o coração 
também fala.
Fui criada com muito amor. Mãe e pai presentes. Casa arrumada. 
Família. Igreja. Fui criada pra casar e pra agradar o outro. E agradei 
vários. A madrinha, a professora, a mãe da amiga, o vizinho idoso, o 
vendedor de cuzcuz na praia. Educada, cordata, menina humana, bom 
coração e boa gente, diziam.
Casei uma vez. Casei duas vezes. Homens maravilhosos, que me 
deram três presentes preciosos. A missão deles: a impossível. Completar 
aquela mulher criada pra casar. E a minha, a mais impossível de todas: 
agradá-los, agradá-los, agradá-los. Nesse universo intangível de 
expectativas, só um milagre deixaria todos satisfeitos por uma vida 
inteira.
Fui feliz com as metades que encontrei na vida (não é assim que 
dizem, “cara-metade”?). Pelo tempo que foi possível. Esse negócio de 
dizer que casamento não deu certo é autocomiseração. Sempre dá certo, 
sim. Pelo tempo que dura. Entramos de um jeito e saímos de outro. Sempre
 melhores que antes. Mais maduros, mais experientes, mais interessantes.
 E ainda levamos um pedaço do outro com a gente mesmo que esse outro 
nunca mais queira olhar na nossa cara. Uma doação irreversível que nos 
fazem. E, mesmo que não queira, o outro também leva um pedaço da gente. 
Inevitável.  
Mas aprendi uma coisa. Não vou criar filhos pra casar. Aprendi 
que a minha outra metade sou eu. Que, se não estiver inteira, não posso 
dividir a minha vida com ninguém. Aprendi que, depois que essa história 
de buscar a metade resultou mesmo foi no milagre da multiplicação (três 
pessoinhas), a minha missão agora é hercúlea. Preciso ajudar meus filhos
 a ser inteiros. Dou-lhes casa, estudo, amor incondicional e a família 
que posso dar. Erro, choro, quebro a cara, me desespero. Mas preciso 
estar inteira pra eles. É o exemplo que desejo dar. Quero que sejam 
capazes de se conhecer, de saber do que gostam e de se amar. Quero que 
sejam inteiros para dividir o tempo, o sol, a brisa, a vida. Nunca eles 
mesmos.
Nessa missão de estar inteira para eles e para mim, daqui pra 
frente ninguém mais me parte no meio ou em pedacinhos. E isso não é 
arrogância. Ainda vou chorar muito de amor. Pelo não correspondido, pelo
 que acabou, pelo que nem começou. Mas o maior presente de me aproximar 
dos 40 anos é ter a liberdade de amar sem expectativa. Aprendi que se me
 dou sem esperar volta sou muito mais feliz. Aprendi que gosto mesmo é 
quando gostam de mim porque sou inteira. Por uma noite, por um mês, por 
um ano. Apaixono-me loucamente pelo colega de trabalho, pelo cantor de 
ópera, pelo pianista do bar, pelo professor da pós-graduação. Amores 
possíveis e impossíveis. Enquanto me sentir plena, integral e estiverem 
gostando, está valendo. Se perceber que preciso abandonar alguma parte 
de mim no caminho para continuarem gostando, desisto. Enquanto eu 
permaneço inteira, o que recebo do outro é lucro. Se me parto em 
pedaços, aí já viu…
Aprendi que não preciso precisar do outro. E essa lição foi dura.
 Tenho que refazê-la a cada dia, é verdade. Afinal, não sou aluna nota 
dez, como me disseram na infância. Mas o enunciado da prova está colado 
na parede do meu quarto: seja inteira, seja inteira, seja inteira. 
Voltei a tocar flauta e retomei os estudos. Sou mais feliz com a música e
 quando tenho livros por perto. Viagens 0800 das mais prazerosas. Quero 
que meus filhos se orgulhem de mim. Espero poder vê-los felizes, 
inteiros e capazes de fazer o outro feliz enquanto isso for possível. 
Sim, fui criada pra casar. Mas não crio filhos pra casar.      
Gisele Rodrigues”

 
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